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AS FAMÍLIAS ATRAVÉS DOS TEMPOS

  • Foto do escritor: Mariana Ferrari
    Mariana Ferrari
  • 18 de dez. de 2023
  • 6 min de leitura

Atualizado: 18 de set. de 2024

Se transferir ao passado por meio da história e ir de encontro com o eixo das antigas civilizações, é compreender que no berço das famílias antigas não houve a existência do princípio do afeto natural. Por exemplo, um pai era capaz de amar a sua filha, porém, com base nos vestígios do direito greco-romano, não poderia em hipótese alguma legar-lhe os seus bens.


Segundo relatos históricos, o poder familiar era uma espécie de instituição primordial baseado não no afeto e tampouco no parentesco, mas na superioridade da força do marido sobre sua mulher ou da força do pai sobre os seus filhos. O que era capaz de unir as famílias antigas ia muito além de seus vínculos de natalidade, consanguinidade ou afetividade. Fora a religião do fogo sagrado dos seus antepassados que potencializou os elos familiares. A família primitiva, portanto, era muito mais uma associação religiosa do que uma associação natural.


É indubitável, as instituições familiares não foram originadas por meio da religião, mas fato era que por meio dela foi instaurada todas as suas regras. Em cada casa havia um altar e ao redor, membros de um determinado núcleo familiar se reuniam  para dirigir ao fogo sagrado oferendas e preces.


Em determinados dias, segundo a religião doméstica de cada núcleo, os vivos se reuniam naquilo que era reconhecido como o “banquete fúnebre” para o culto de seus antepassado mortos. Duas famílias poderiam viver lado-a-lado possuindo "deuses diversos". Como agradecimento, derramavam vinho e leite sobre os túmulos de seus ancestrais que eram considerados "sagrados", ofereciam-lhes frutos e sacrifícios em troca de bençãos para a conquista de campos férteis, casa próspera e grandes virtudes.


Toda essa “religião doméstica” formou os primeiros pilares do instituto que reconhecemos como família primitiva. Não por meio de uma religiosidade da qual experimentamos através do legado do cristianismo, mas sim, através da invocação dos “manes”, resultado do culto às almas dos mortos consideradas divindades entre a sociedade greco-romana.

 

O casamento, como a primeira instituição estabelecida, retirava a mulher do culto dos manes de sua família patriarcal e a inseria para cultuar os antepassados daquele que ali em diante seria reconhecido “seu marido”. A filha, portanto, era “desligada” de seu lar paterno e “dada” ao homem que a pediu.

 

O celibato e a esterilidade eram verdadeiros crimes, pois era necessário a perpetuidade e descendência daqueles que continuariam o rito daqueles que já não se encontravam mais ali, ou seja, toda uma eternidade genealógica. Consequentemente, como solução, foram surgindo instituições como o divórcio para pôr fim aos casamentos das mulheres consideradas estéreis.


Independentemente do motivo, a família não podia se dissipar. Mesmo que no casamento houvesse um homem estéril, não poderia a família deixar de se perpetrar através dos tempos, sendo o homem “improdutivo” substituído pelo seu próprio irmão e a mulher casada com o homem estéril, portanto, impedida de gozar da probabilidade do divórcio.

Um verdadeiro jogo de interesses para a perpetuidade familiar.


No direito sucessório, a regra para o culto era o direito de propriedade ser transmitido sempre de varão para varão. A regra para a herança era conformar-se com a finalidade do culto. A filha, portanto, não tinha o direito de herdar de seu próprio pai, pois era predestinada a cultuar os deuses do lar de seu marido. Perdia-se então, todos os vínculos de seu lar originário afetando o direito ao legado de seu genitor.


Com a introdução do catolicismo e a queda do Império Romano em 426 d.C., houve a imposição de um radical paradigma familiar ocidental. O matrimônio foi constituído como uma espécie de comunhão sacramental. A dissolução do casamento tornou-se algo inegociável, pois a ideia de que o “que Deus uniu o homem jamais separa” definia a sociedade.


Tendo em vista a consolidação da monarquia e a inserção da lei romana no século XVI, a autoridade patriarcal se impôs como a regra geral. Os preceitos religiosos passaram a ser questionados, particularmente nas famílias nobres. À medida em que o Estado se adentrou cada vez mais em meio às classes sociais, o casamento deixou de sustentar os seus preceitos na religiosidade e começou a ser laicizado.


Com a era da Revolução Industrial, houve um marco para a urbanização dos círculos familiares e, consequentemente, o tamanho das famílias foi diminuindo gradativamente, de modo a provocar uma significativa inclusão da mulher no mercado de trabalho. Como forma de grande conquista para o passo da sua libertação, a mulher deixou o título de “propriedade privada familiar” e passou a ser considerada "produtora familiar".


Nas primeiras décadas do século XX, sucedeu uma considerável transição de valores. A estrutura patriarcal deu lugar a um novo modelo econômico e social de tendência. Nesse novo contexto, permeava nas relações a ideia de que para se casar o homem e a mulher deveriam sentir uma certa atração e ter o sentimento de que poderiam “combinar”, tudo isso em consequência do surgimento do universo da psicanálise e de teorias psicológicas.


Entretanto, mesmo com o avanço das ciências dos estados e processos mentais, o Código Civil brasileiro de 1916 vigente até janeiro de 2003, retratou na esfera jurídica de maneira divergente, uma realidade ainda pautada na sombra da família patriarcal. Manteu a posição do homem como “chefe” da família, proporcionou tratamento desigual aos filhos, além de valorizar muito mais o patrimônio do homem do que a sua própria essência e a sua dignidade.


Somente em 1962 com o Estatuto da mulher casada (Lei nº 4.121/62) foi deferida plena capacidade à esposa, restabelecendo a dignidade daquela que até então era “propriedade” do marido. Dali em diante, a esposa passou a ser vista pela sociedade como a “dona de seus próprios bens” adquiridos por meio do fruto de seu trabalho.


Em meio a muitas conquistas legislativas, imperioso o destaque da Lei 6.515/1977 que propiciou enorme peso para a inclusão do art. 240 no Código Civil de 1916 onde a inclusão do nome do marido passou a ser facultativa para as mulheres e não mais carregava aquele peso de caráter obrigatório.


O advento da Constituição Federal de 1988 desaguou como um verdadeiro divisor de águas ao ressignificar o sentido das famílias. A compreensão da dignidade da pessoa humana passou a ser considerada o cerne principiológico dos núcleos familiares, concedendo às famílias verdadeira proteção e elevando-as por meio dos pilares principiológicos.


A igualdade entre o homem e a mulher foi consagrada. O conceito de família foi ampliado pelo reconhecimento da união estável e os filhos passaram a  não ser tratados de maneira desiguais. Com isso, foi assegurada a paridade entre os havidos ou não na constância do casamento, bem como entre os adotados e afetivos, garantindo-lhes o gozo dos mesmos direitos.


O autoritarismo outrora reconhecido ao pai que ensejava a sua imagem como “chefe superior da família”, ganhou espaço pelo exercício conjunto da maternidade em consonância com a paternidade, sendo reconhecida pela doutrina contemporânea atenta ao direito das famílias como “função parental”.


Estimula-se na atualidade uma nova criação para a prole. O que antes era orgulho baseado no controle, na força e na hierarquia, cedeu lugar a um progresso de nivelamento saudável nas relações entre pais e filhos, baseada na educação pensada como atividade que requer diálogo, reciprocidade, valorização e confiança.


Sob um novo paradigma, a família contemporânea têm cada vez mais não aceitado a intromissão do Estado dentro da intimidade de seus lares, cabendo ao sistema jurídico de forma gradativa se adequar a esta realidade ao respeitar a autonomia privada dos ninhos e adentrar apenas no que se refere a interesses públicos e sociais, a exemplo da violência doméstica contra a mulher, crianças, adolescentes e idosos; a educação obrigatória dos menores, o abandono familiar, entre outros.


As uniões das pessoas do mesmo sexo reconhecidas como uniões homoafetivas necessitaram de uma extensa caminhada de ativismo judicial para o seu reconhecimento e proteção. Assim  foi realizado através do julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132 pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2011. A rigidez da “família tradicional” avariou, sendo necessário consolidar a ideia de que quando se trata de afetos do coração, as proibições não devem fazer morada.


Atualmente, a busca pela felicidade tem reinado dentro das famílias contemporâneas que passou a ser considerada eudemonista. Tal denominação vem da palavra grega eudaimonia que designa o real sentido de felicidade. Em sua literalidade, traduzindo, “felicidade é viver com bons espíritos”, sendo a família instrumento para a felicidade de seus membros.


A família contemporânea passou a ser sustentados pelos pilares do afeto, abrindo espaço para o “ser” família, tal como ela é: com os seus sabores e dissabores, inexistindo uma rígida regra para o verdadeiro laboratório de construção do amor.


Família imperial brasileira - registro de Otto Hees 1889.

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